segunda-feira, 9 de novembro de 2015

um boteco pra chamar de seu



segundo conta minha mãe, eu aprendi a ler em cima de uma mesa de sinuca, no bar ao lado da nossa casa, num bairro lá da periferia de São Paulo, aos dois anos, em 1986. um velho alemão que frequentava o lugar me incentivava a escrever as vogais com o giz dos tacos e em troca me dava umas balas − um condicionamento nada ortodoxo, na verdade um tanto assustador, que aposto ter influenciado bastante a minha vivência etílica tempos depois. hoje eu não vivo sem um pé-sujinho, com amizades em volta de uma cerveja gelada.

mesa, cerveja. a receita é bem simples, recomendo. Você pode acrescentar amigos, conversa com o garçom, filosofia, flerte, ou tudo isso ao mesmo tempo.

paulistano, minha infância foi toda no interior do estado, em Assis. com meu sotaque de caipira, fui uma criança bem feliz. vez em quando, passava a tarde toda fora, voltava todo sujo de lama, comia goiaba e jabuticaba do pé, chupava cana caída dos caminhões da colheita, descascava amendoim fresquinho, cheio de terra.

meu pai frequentava o bar do Toni, um cara meio babão, que limpava o balcão com um pano xexelento, horrível. e os caras passavam o dia lá jogando truco, tomando cerveja, contando histórias. de vez em quando eu ia lá pra acompanhar o pai, ou então chamá-lo a pedido da minha mãe. eu tinha nove anos e naquela época ninguém tinha celular, então o jeito era ir andando pra dizer que o almoço estava pronto. lembro bem de pisar em ponta de cigarro e queimar a sola do pé mais de uma vez, e isso me faz recordar que eu curtia mesmo andar sem calçado, mas acho que depois, ainda novinho, me disciplinei mais um pouco, e passei a ir ao boteco de chinelo.

depois nós viemos pro Rio e meu pai tinha sempre um bar cativo. no começo fomos morar na Baixada, em Belford Roxo, e o que me deixava intrigadíssimo era o fato de as pessoas não falarem bar, e sim barraca. fiquei bolado por muito tempo com essa e outras diferenças de vocabulário. além do que, no Rio, ninguém jogava truco! nunca mais vi rodinha com um monte de marmanjo gritando como se fosse bater no outro, com uma carta de baralho colada na testa. mudança tem dessas coisas e hoje eu amo o Rio de Janeiro, sou bem carioca.

todo dia, quando chego do trabalho, tem o mesmo cara no bar da esquina. baixinho, de óculos, deve beirar os quarenta. ele e uma garrafa fiel. Tenho a impressão de ver aquela barriga de chopp crescer exponencialmente cada vez que passo. engraçado.

***

eu não sei quando foi a primeira vez que fui ao Bar da Cachaça, só sei que fui frequentando como experiência exótica para provar as doses, tomava sempre uma Germana, só porque um ranking publicado pela Playboy figurava colado em uma das geladeiras e dava boa classificação pra marca. eu achava o preço aceitável, passei a beber. bom custo-benefício pra quem não queria tomar Gabriela (sei que é uma das mais pedidas, mas eu não curto o sabor doce demais), ou a Cachaça de Gengibre, também preferência da casa, mas que também não faz muito meu gosto. hoje eu passo lá mais pra tomar cerveja mesmo.

moro praticamente na Lapa e esse bar é estratégico, já que reúne gente que me agrada, garçons simpáticos, bebida gelada, está a meio caminho do Circo Voador e até do MBA, quando volto a pé.

se eu andar em círculos, ora veja, o Bar da Cachaça fica entre a minha casa e o próprio Bar da Cachaça! não tem como não me agradar! são tantas histórias, em anos morando no Centro do Rio, que eu precisei criar esse blog (mais um na vida, enfim, não resisto). pelo padrão, o que eu narrar aqui será relativo ao Cachaça, mas tem muita mesa boa pra contar causo por aí. do Tondela, na Rua do Senado, ao boteco nas margens do Tapajós, no Pará. das noitadas regadas a vinho, no Uruguai, Pavão Azul em Copacabana, ao Bar Urca, ensolarado, tem sempre uma história boa pra lembrar.

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saideiríssima: sf. (sair + deiríssima) 1. gír A rodada, garrafa ou dose posterior à saideira, aquela que a gente precisa beber, nem que seja levando o copo, tomando no táxi, na rua, terminando no caminho ou abrindo a porta de casa.


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