sexta-feira, 11 de março de 2016

O dia em que eu quase caí na porrada com um cara no bar por causa de horóscopo



Os signos invadiram a vida, estão por todos os lados nas redes sociais on-line e offline, no seu Facebook e na mesa do bar. Pra onde você olha, lá estão mapas astrais, textões, quadrinhos, vídeos, piadas, Susan Miller, perguntas sobre ascendentes após cinco minutos de conversa com alguém que você acabou de conhecer. Tomaram a internet como as princesas da Disney, que vira e mexe voltam disfarçadas de memes pretensamente divertidos, mas que na verdade são um pé no saco. Nada contra signos e astrologia, tenho até amigos que são.

Brincadeiras à parte, não tenho grandes problemas com a questão. Até gosto de abrir o horóscopo do jornal, de vez em quando, e ler em voz alta o que certos anônimos gurus têm a dizer pra gente. De boa, os conselhos e passagens escritos em quatro ou cinco linhas não raro até me despertam alguma reflexão. Gosto de interpretá-los como micro-oráculos, passagens que, como as escritas sorteadas por um realejo, provocam alguma guinada de pensamento, mesmo que tão breve com uma sinapse. Jogo da sorte, carta de cigana que encontra uma inquietação interna, acasos.

Não faz muito tempo, encontrei um amigo lá no bar, pedimos umas cervejas e de repente veio o tema. Ele, que leva muito a sério, disse que isso não era modinha e que tinha até uma empresa no Japão que deixava de contratar pessoas de certos signos, porque a energia não ia bater, não daria certo uma companhia nascida na data X, com ascendente em Y, receber o funcionário nascido em Z, jamais.

Arnaldo (nome fictício pra preservar o colega) disse então que ele mesmo conferia os signos das pessoas que entrevistava para vagas de emprego, o que me deixou revoltado. Até onde sei, astrologia nunca foi reconhecida como ciência, e mesmo se fosse, pelo caráter discriminatório da ação, não poderia ser critério de seleção para uma empresa.

Eu estaria errado se colocasse quaisquer saberes a serviço da Ciência, assim com maiúscula, sacralizada, longe de mim. A questão maior estava em usar critérios tão subjetivos para admitir uma pessoa em uma firma.

“Se eu ficasse sabendo que uma companhia deixou de me contratar por causa do signo, entraria com um processo”, argumentei.

E eis que, de trás de mim, antes de Arnaldo responder, surge uma voz estranha:

“Você é um filho da puta!”

Olho pra trás e vejo um rapazinho bem apessoado, branco, estatura média, cabelos encaracolados, camisa florida hipster, bigode hipster, o resto da roupa hipster, tomando algo na mesa ao lado, em pé, assim como nós.

Sem entender muito bem, pergunto: “O quê?”.

Ele olha pra mim e repete: “É, você é um filho da puta, cara. Quem é você pra dizer que astrologia não é séria? Seu amigo está certo!”.

A partir daí, faço uso então da minha grande paciência e tolerância com as mais ásperas situações, e converso com o carinha, falando antes de tudo sobre a sua abordagem, à qual várias outras pessoas responderiam logo com um soco na cara, risos, já que filho da puta é motivo pra bastante gente cair na porrada por aí. Tem pessoa que se dá mal por insulto menos grave! E, parêntese, faz tempo que tirei filho da puta da taxonomia dos xingamentos. Ora vejam, as putas merecem muito respeito, não devem ser motivo pra insulto, assim como mandar um indivíduo se foder não pode ser ruim. Eu falo sério, tirei do vocabulário essas coisas, mas isso é assunto pra outra conversa.

Nessas horas eu penso: melhor não me meter em confusão. Imagina entrar na briga com um imbecil por conta de nada, parar na delegacia por agressão, interromper a cervejinha só porque alguém resolveu se meter na minha seríssima conversa sobre horóscopo? Melhor preservar minha ficha limpa. Por dentro eu até penso com meus botões: cara tão bonitinho e vem puxar assunto assim? Que pena.

Como você vê, o título dessa pequena crônica se resume a algo que dificilmente rolaria da minha parte. No fundo, sou um ser tolerante até com quem resolve me xingar na rua. Deixa eu acreditar que é melhor assim.

Os ânimos se abrandam. Ele resolve fazer o quê, então? Lógico, perguntar o meu signo! Eu respondo que sou aquário (devia ter blefado). Ele revida: “Tá tudo explicado! É lógico que você tinha que ser aquário, assim, se achando o dono da verdade!”.

Percebemos que ele está acompanhado, a namorada do cara olha pra mim e diz: “Não liga pra ele não, eu também sou de aquário!”. Eu vou me sentindo numa interação cada vez mais surreal e resolvo dispensar os dois, fim de papo, sigam seus caminhos e vão pra outro canto caçar gente pra invadir a conversa.

Eles saem, volto pra normalidade da minha cerveja, mudo com Arnaldo o rumo da prosa e até acho graça do causo, como costumo fazer depois que as coisas passam.

Há uns meses hospedei em casa um filósofo e numa conversa sobre horóscopo, ele disse o seguinte: “Se a lua, tão longe, consegue influenciar o movimento das marés, porque o movimento dos astros, dos quais tão pouco sabemos, não podem também agir sobre o nosso corpo, que é setenta por cento formado por água?”. Faz sentido, pensei comigo. E bola pra frente. Cada um com suas crenças.

Meses depois daquele episódio, vejo o tal carinha hipster no mesmo bar. Sinto de longe a energia estranha. Percebo que não lembra de mim e, mais uma vez, ele entra na minha conversa: “Seu nome é Mustafá”, ele diz, me olhando. Faço cara de “lá vem”. Ele se afasta, fica em silêncio, se reaproxima e fala: “Eu comeria teu cu”. E, num gesto rápido, como diz aquela música: eu me coço e saio fora! Certa é a expressão que diz que algumas pessoas estão fora de órbita, melhor evitar!

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